domingo, 11 de dezembro de 2011

Do que ri a Mona Lisa

Estou na Sala da Vinci, no Louvre. [...] Do lado esquerdo da Mona Lisa, dezesseis quadros de renascentistas de primeiro time. Do lado direito, dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros. E na frente, mais dez Ticianos, além de Veroneses, Tintorettos e vários outros quadros do próprio Da Vinci.
Mas não adianta, ninguém os olha.
Estou fascinado com este ritual. E escandalizado com o que a informação dirigida faz com a gente. Agora, por exemplo, acabou de acorrer aos pés da Mona Lisa um grupo de japoneses: caladinhos, comportadinhos, agrupadinhos diante do quadro. A guia fala-fala-fala e eles tiram-tiram-tiram fotos [...]. E lá se foram os japoneses. A guia os arrastou para fora da sala e não os deixou ver nenhum outro quadro. [...]
Chegou um bando de garotos ingleses-escoceses-irlandeses, vermelhinhos, agitadinhos, de uniforme. Também foram postos diante da Mona Lisa como diante do retrato de um ancestral importante. Só diante dela. [...]
Chegou um grupo de africanos. E repete-se o ritual. E ali na parede os vários Rafaeis, outros Da Vincis, do lado esquerdo os dezesseis renascentistas de primeira linha, do lado direito os dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros, e na frente mais dez Ticianos, além dos Veroneses, Tintorettos etc., que ninguém vê.
O ser humano é fascinante. E banal. Vêm para ver. Não vêem nem o que vêem, nem o que deviam ver. Entende-se. Aquele cordão de isolamento em torno da Mona Lisa aumenta a suansacralidade. E tem um vigia especial. E um alarme especial contra roubo. Quem por ali passou defronte dela acionando sua câmera, pode voltar para a Oceania, Osaka e Alasca com a noção de dever cumprido. Quando disserem que viram a Mona Lisa, serão mais respeitados pelos vizinhos.
Mal entra outro grupo de turistas para repetir o ritual,percebo que a Mona Lisa me olha por sobre o ombro de um deles e sorri realmente. Agora sei de que ri a Mona Lisa.

A Mona Lisa: Quadro mais famoso da Rensacença!

Fonte: SANT'ANNA, Affonso Romano de. Porta de colégio e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2009, p.33-6